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  • José Leonídio

UMA ESCOLA DE SAMBA NA SORBONNE



Fevereiro de 2016, carnaval na Guanabara, verão de 40 graus, resolvemos gastar nossas milhas e nos presentearmos com uma viagem à Europa, destino França e Portugal. Ficamos hospedados no Hotel Cluny Sorbonne. Era a primeira vez que saía da Guanabara em época de carnaval. O inverno europeu doía nos ossos. Da janela do hotel via os alunos tendo aula na Sorbonne e me lembrava das que eu lecionava na UFRJ.


Sexta-feira, por volta das 17h, estava na janela do hotel quando vindo de não sei onde ouvi o som de um surdo numa marcação em dois tempos: o coração pulsátil de uma escola de samba. Pensei comigo, estou delirando.


De repente entrou a marcação de um tamborim, da caixa, dos agogôs, por fim uma bateria completa de escola de samba em plena Paris. Eu não estava acreditando, eu tinha viajado no carnaval, me desligado das escolas de samba e eis que elas estavam ali, na cidade dos intelectuais, dos iluminados, na Cidade Luz.


É claro que achei que estava imaginando, e olha que nem tinha aberto ainda o bordô de todas as noites. Não acreditando chamei Regina, minha esposa, para que ela também ouvisse. Neste momento o som se fez mais alto ainda.


Comecei a procurar de onde vinha, não havia lojas nas proximidades, o quarteirão era todo pertencente à universidade parisiense. Quando nos demos conta, o som de uma bateria de escola de samba, num fim de tarde, com uma batida bem carioca, numa sexta-feira pós Carnaval vinda de dentro da Sorbonne.


Claro que minha curiosidade me fez ir à recepção, onde tudo ficou esclarecido. A Universidade, dentro do núcleo de estudos sobre o Brasil, tinha um grupo composto por alunos de diversos países que se reuniam para exaltar a alegria maior do brasileiro, o samba e com sua melhor representação, a bateria das escolas.


Bem que tentei, mas mesmo sendo professor de uma universidade brasileira não consegui entrar. Voltei à janela, abri o bordô e fiquei me deleitando com o mais puro som brasileiro, um som miscigenado com o barulho da natureza dos povos nativos, o som do couro e do ferro dos nossos irmãos africanos, o tamborim dos ciganos.


Esta lembrança no dia de hoje me mostra que o Brasil continua o mesmo, um mosaico de culturas e, como se fosse uma pintura de um artista famoso, conseguiu misturar as cores de nossas diversas etnias e nos transformar no que somos, únicos. Não é à toa que a Sorbonne tem núcleos direcionados a estudar nossas raízes.


Quantos trabalhos na área da sociologia saem daquela Universidade? Lá a religião é respeitada e diversas teses de doutorado têm como objetivo maior o estudo das religiões matrizes brasileiras, sejam as de raiz dos povos indígenas, sejam as de matrizes africanas ou as ligadas aos ciganos, principalmente na Guanabara.


A designação Brasil pode ter duas origens, o pigmento vermelho do Pau Brasil ou a pintura com urucum dos nossos nativos, porém se remetem a uma só observação, a dos “Brasis”, aqueles que tinham a “cor da brasa.” Nossa miscigenação, nosso mosaico de etnias, é motivo de orgulho. Não somos divididos em castas, aqueles que aqui chegaram não vieram para dividir e sim para somar.


A Escola de Samba da Sorbonne me fez pensar neste aspecto. Michel de Montaigne em suas reflexões, publicadas em “Ensaios”, no capítulo “Os Canibais”, comenta que se Platão conhecesse a democracia dos ditos “Canibais”, da “LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE”, teria vergonha da sua Democracia Platônica. Talvez, ali no meio do século XVI, o filÓsofo francês tenha escrito como se fosse uma premonição sobre o Brasil que deveríamos ser hoje.


Nestas poucas linhas, viajei de Paris até um Brasil que se tornou um mosaico em todas as suas vertentes. Bendita tenha sido aquela viagem, bendita a Sorbonne, bendita a Escola de Samba composta por estudantes de vários países, que se uniram ao ouvir o som maior dos Brasis, o de um coração que pulsa.


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