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José Leonídio

Sombras

Um dia repleto, mal deu tempo de almoçar, reuniões infindáveis, salas soturnas contendo lembranças medievais. Não via a hora de poder chegar em casa, rever esposa e filhos, tomar uma ducha quente, tirar do corpo e da mente as lembranças dos ambientes mofinos. Poder finalmente relaxar, mergulhar num sono profundo, reparador.


O travesseiro e colchão macios, o perfume do sabonete, o carinho, afago, o calor dos corpos, o prazer incontido, mãos que se apertam e após algum tempo se soltam, na satisfação plena do cio. É o fim de uma jornada, o caminho para o onírico. Janelas se fecham, o dia ficou de fora. Janelas se abrem, apesar dos olhos adormecidos.


Pequenos flashes ocupam a mente. Estátuas aqui, armaduras ali, vozes que ecoam nas paredes altas e frias. Olhos sem brilho seguem-me nos longos corredores lúgubres, saídos de molduras com telas que imortalizam os que por ali passaram. Xícaras de café quente servidas numa bandeja fria. Portas que se fecham rangendo como quisessem dizer: até amanhã.


Aos poucos as aparições vão se unindo desconexamente, tais quais fitas de filmes diferentes, integradas aleatoriamente. De repente saio do meu corpo e começo a vagar por lugares desconhecidos, corredores, sombras, sem chão, caminho no etéreo, vejo tudo, não consigo interagir com nada.


Neste momento os olhos seguem-me, parecem me vigiar; por mais que queira falar, não consigo. Estou numa estrada escura, uma imagem surge a cada momento. Uma visão, não sei, será um anjo ou um demônio? Não consigo correr, nem gritar, somente seguir em frente, numa estrada longa que parece não ter fim.


De cima me vejo inerte, minhas mãos procuram as de minha esposa, no entanto, continuo a viajar. As sombras perseguem-me. O frio faz-me tremer, meu corpo procura o calor daquela que o aquece e da coberta que o complementa. Uma dúvida, sou real ou uma miragem? Tudo parece tão verdadeiro que não sei se volto.


Sinto medo, quero retornar, mas não consigo. Tenho a sensação de uma mão ou uma corrente me prendendo e obrigando a ver tudo de cima. Sombras continuam na minha frente; na escuridão, não consigo decifrá-las. Tento ignorá-las, é inútil. Caminham lado a lado comigo, semelhante a um labirinto onde não se consegue achar a saída. Procuro um ponto de luz na escuridão, impossível, a noite é longa.


Quero correr, fugir, voltar, não consigo, as raízes que saem da terra me aprisionam, fico vagando na noite, indo de um lado para o outro. Vozes, ouço vozes, não consigo compreendê-las, vozes que saem das sombras, dos vultos que se formam à minha volta. Sem que perceba, tudo fica embaçado, uma névoa toma conta da noite. Não consigo enxergar o que há na frente. Sumiram o céu e as estrelas, estou só.


Um raio de luz atravessa a neblina, deixando rastro na estrada escura. As raízes se recolhem, libertam-me, uma brisa surge, vejo ao longe a janela abrir-se, sou levado em sua direção, ao fundo, num leito, corpos se aquecem, estou exausto, tenho sono.


Os raios de sol, atravessando o vitral, acordam-me, é hora de levantar. O dia recomeça. Mesa posta, o café exala o aroma da manhã, é servido em xícaras quentes. Um terno engravatado beija o peignoir de seda. A chave fecha a porta, iniciando um novo dia.


Na porta do edifício, uma velha cigana surge com suas roupas coloridas e, com olhar fixo nos meus, diz:


- Sombras, sombras, são sombras, nada mais do que sombras.


Da mesma forma que surgiu, desapareceu.


O sol me iluminava deixando para trás uma sombra, que teimava em caminhar e perseguir-me.



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