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  • José Leonídio

SALVE SÃO SEBASTIÃO: OKÊ ARÔ OXÓSSI


1º de janeiro de 1502, Gaspar Lemos chegou com sua esquadra para demarcação e reconhecimento das “novas terras” de Portugal, a entrada da Baía de Guanabara. Por achar que estava diante da foz de um grande rio, a chamou de Rio de Janeiro, pelo fato de estar no mês de Janeiro. Por trazer nas suas velas a Cruz de Malta, e por ser católico fervoroso, a cada acidente geográfico importante ele associava a um santo protetor, que passava a ser o seu padroeiro. No caso do Rio de Janeiro, o padroeiro designado foi São Januário.


Em janeiro de 1567, uma esquadra com mais de 30 embarcações bombardeou com tiros de canhão a aldeia de Uruçumirim, que se situava numa ilha fluvial formada pelos dois braços do Rio Carioca e que desaguavam num delta com inúmeras ilhotas (hoje, o Outeiro da Glória). Ao fim daqueles três dias, os portugueses, comandados por Estácio de Sá, aliados aos Teminós liderados por Araribóia, desfecharam o ataque final.


Após uma batalha na qual mais de 600 Tupinambás sob o comando do Tuxaua Aimbirê foram mortos, Estácio de Sá feriu mortalmente com tiro de bacamarte a amada de Aimbirê, Iguaçu, que por sua vez acertou o rosto do comandante português com uma flechada certeira. Era 20 de janeiro de 1567.

Diz a lenda que Aimbirê, ao ver sua amada ferida, pegou-a no colo e adentrou as águas da Guanabara (mar formado pelo seio de Iara – Rio Carioca).


Os corpos de Aimbirê e Iguaçu apareceram na praia abraçados, trazidos pela maré, no dia seguinte. O padre José de Anchieta participou ativamente do ataque e ordenou que fosse feita uma cova profunda na areia. Ali, os enterrou. O jesuíta afirmava ser testemunha de ver São Sebastião de espada na mão, lutando nas igaras dos Teminós, defendendo as terras de Portugal contra os nativos Tupinambás.


Pela sua visão do santo e por ter Estácio de Sá sido flechado tal qual São Sebastião, destituiu-se o padroeiro original, São Januário, e a cidade, fundada em 1º de março de 1567, recebeu um novo protetor, o guerreiro São Sebastião. A cidade passou a ser designada, portanto, São Sebastião do Rio de Janeiro, conhecida por séculos como São Sebastianópolis.


No sincretismo religioso, considerando o panteão dos deuses africanos, Oxóssi ou Odé representa a figura do caçador, que está relacionada com a fauna e a flora, com a natureza. A partir da chegada dos africanos escravizados e da catequização deles, ainda persistiram os valores culturais e religiosos trazidos da África. Na impossibilidade de cultuarem seu orixá de origem, Oxóssi, este foi associado à figura de São Sebastião.


Nos cultos africanos, o poderoso orixá era invocado para as grandes causas ligadas à natureza. Na Igreja Católica, o santo protetor da cidade, capaz de evitar as grandes tragédias, as doenças e o dia de sua celebração, correspondia ao do dia em que Estácio de Sá foi flechado por Aimbirê.


As comemorações reuniam todos com salvas de canhões, desfiles de tropas em traje de gala, missas solenes. Todas as igrejas tocavam seus sinos e, no mar, era lembrada a batalha das canoas, quando São Sebastião combatera ao lado dos portugueses. Todos os oratórios das casas eram acesos, e os contornos, iluminados por luminárias. Era onde se pagavam as promessas e se firmavam novos compromissos. O santo passou a ser adorado, principalmente depois da chegada de Dom João VI, que por formação era religioso ao extremo: os festejos começaram a ser feitos desde o dia 17 de janeiro, culminando com toda pompa no dia 20.


Paralelamente, Oxóssi era reverenciado pelos africanos escravizados e seus descendentes e áreas afastadas, principalmente em clareiras nas florestas que circundavam São Sebastianópolis e nos diversos quilombos que albergavam os africanos escravizados que conseguiam se libertar. Nas igrejas, sob os santos, eram colocados as pedras, os otás, que simbolizavam a presença do orixá.


Com o surgimento da umbanda, religião derivada do espiritismo, brasileira por excelência e que tem na sua essência fundamentos das religiões indígena, católica, africana, cigana, judaica e islâmica, o culto a Oxóssi sincretizado em São Sebastião expandiu-se e, hoje, tanto nas igrejas como nos centros espiritas umbandistas, a fé no seu poder, por estar ligado às coisas terrenas, a natureza e a essência humana, no dia 20 de janeiro as ruas se lotam de vermelho, representando o santo, o orixá.


Nestes tempos de pandemia, as ruas estarão vazias, mas os corações e a nossa fé, presentes, pedindo que nos protejam, nos livrem dos males, que no ano que vem estejamos juntos, novamente, sob sua proteção.


SALVE SÃO SEBASTIÃO. OKÊ ARÔ OXÓSSI.




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