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  • José Leonídio

OS ENSINAMENTOS DA NATUREZA

Manhã fria de outono, uma brisa leve agitava as folhas dos abricós de macaco[1], que ficam no entorno do prédio da reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Campus do Fundão. As velhas folhas que assistiram à floração colorida e perfumada na primavera, e viram seus frutos surgirem aderentes ao tronco e amadurecerem no verão, terminavam seu ciclo.


Durante um bom tempo fiquei parado com o belo espetáculo que as folhas amarelecidas, soltas dos pés de abricó de macaco, me ofereciam. Eram centenas, bailando lado a lado, num movimento sincronizado até pousarem lentamente no chão e formarem um vasto tapete.


Naquele momento, consegui entender que tudo na natureza tem princípio, meio e fim. Desnudando as árvores no outono, abriam caminho para seu crescimento, para que novo galhos surgissem, novas folhas, novas flores e novos frutos. Assim como nós, abriam caminho para as já cansadas folhas e novas gerações que necessitariam da energia pujante das folhas mais novas para iniciarem um novo ciclo.


Nós somos assim: nascemos sem aprender a andar, depois engatinhamos, aprendemos a andar e, finalmente, associar nossos objetivos às nossas caminhadas. Vamos até onde nossos pés e nossas mãos conseguirem alcançar, até que alguém venha nos ajudar porque nosso viço passa a ter limites. É o ciclo da vida.


Desapegar é um termo muito comum nos dias de hoje, mas não é tarefa fácil conseguirmos nos afastar dos nossos bens preciosos. Ao contrário das folhas que simplesmente desgrudam das árvores, temos outro componente, o emocional, que nos impele a manter junto de nós, indefinidamente, todos os nossos bens preciosos.


Ano 2010, um sábado de primavera, mês de outubro. Meus pensamentos estavam voltados para o casamento de meu filho que se realizaria naquele dia. Quase três décadas de convivência diuturna e, de repente, não mais o teríamos ao nosso lado.


Absorto em minhas divagações, minha atenção se dirigiu ao telhado do vizinho da frente, onde um pardal estava com seu filhote ao lado já emplumado. Os dois contemplavam o horizonte na frente deles. Como se fosse dado um comando pelo pai, o filhote mergulhou no ar e agitou suas asas pela primeira vez sob os olhares atentos do seu “progenitor”. Voou até o muro, numa curta distância. Olhou para o pai, em seguida alçou voo até meu telhado, depois para uma árvore mais distante. Naquele momento, o pai simplesmente voltou para o núcleo de sua família, tinha concluído um ciclo.


Naquele instante compreendi que a natureza me ensinava a lidar com os meus questionamentos, com as minhas angústias. Um ciclo findava. Um novo ciclo começava. Um pássaro voava na imensidão do infinito, buscando o próprio caminho, para formar um novo ninho.


Passado algum tempo, um beija-flor, num voo rasante atrás de sua femêa, bateu fortemente na vidraça da janela da minha sala, caindo ao chão. Como estava por perto, peguei-o molhei sua cabeça e, aos poucos ele foi acordando, tentando se erguer na palma da minha mão. Passado algum tempo tentou voar e não conseguiu, aguardou um pouco, se esforçou novamente subiu um pouco, mas voltou para minha mão.


Vários minutos se passaram, ele se sentiu mais forte e saiu célere batendo as asas. Chegou a parou no ar, voltou até mim, estancou, fixou seu olhar por alguns segundos, como se quisesse agradecer. Em seguida, tomou seu rumo.


Assim é a vida. Pequenos gestos, grandes efeitos. A natureza é assim, nos mostra como agir, como proceder e, mais do que isto, a como respeitá-la. Estamos em momentos difíceis, porém, pequenos gestos ou iniciativas para uns podem ser um ato grandioso para quem o recebe. Assim como as folhas e os pássaros, tudo tem princípio meio e fim, e também um muito obrigado.



[1] Abricó de macaco – Coroupita Guianensis Aubl.


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