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José Leonídio

O Senhor e a Soberba

Segunda-feira, 7h, nesgas de raios de sol atravessam os edifícios da Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Os ventos que sopram do mar trazem o frescor e o cheiro da maresia, misturando-se ao do café da manhã servido nas mesas da padaria na calçada da Rua Dias da Rocha.


Sob as marquises dos luxuosos magazines, um senhor faz sua caminhada diária, no mesmo lugar em que famílias de sem teto se preparam para mais um dia de sobrevivência. Mães, acompanhadas de seus filhos, pedem em nome de Deus uma esmola para alimentá-los. Os catadores de papelão começam a remexer os lixos à procura de algo mais que possa render-lhes o suficiente para dar de comer às famílias.


Sorrindo o senhor cumprimenta um grupo de jovens - com vistosas pranchas a caminho da praia - com a alegria contagiante que mantém, em comum com eles tem as tatuagens coloridas e piercings. Na banca de jornal, troca rápidas palavras com outros idosos que compram a notícia preferida e sentam nos bancos dispostos no calçadão para lerem sobre política, esporte ou acontecimentos policiais.


Da mesma maneira, um grupo formado por adultos jovens e ou de meia idade procuram ansiosos nos classificados ofertas de emprego, com a esperança de consegui-lo. A eles o senhor deseja boa sorte.


Atletas de asfalto passam correndo, fazendo o exercício matinal. Para eles, o senhor deseja bom dia. O aroma de perfume francês mistura-se ao das fragrâncias mais populares. É o ir e o vir das executivas, das senhoras vaidosas que saem para suas caminhadas, cruzando na mesma calçada com as suas “secretárias do lar”, na maioria pessoas humildes vindas dos subúrbios mais distantes ou das comunidades vizinhas. É neste momento que o senhor interrompe a caminhada para conversar com amigas da caminhada matinal.


Saúda também os porteiros, quase sempre oriundos do Nordeste. Avista os estudantes de todas as séries saírem apressados com suas mochilas às costas para não perderem o primeiro tempo de aula. Mães, avós ou uma pessoa de confiança levam os menores para aprenderem as primeiras letras. Mães que trabalham se dirigem às creches onde os filhos ficarão até o fim da jornada de trabalho.


Casais descem juntos de seus apartamentos e, com um beijo de até logo, se despedem na calçada, cada um para o local de trabalho. Das janelas, mães, avós, companheiras acenam para seus maridos, companheiros, filhos ou netos, como a desejar-lhes bom dia. Bicicletas e motos se entrelaçam com os transeuntes na rua estreita.


Caminhando lentamente, retornando da rotina matinal, o senhor, que deve estar na sétima década da vida, tem cabelos brancos quase amarelos, encaracolados, barba bem feita, deseja bom dia a todos que passam por ele.


No sentido contrário um jovem, com não mais de 30 anos, dentro de um terno de grife, traz às mãos uma pasta de finíssimo couro, mostrando importância na sociedade.


Ao se cruzarem, o senhor o cumprimenta como faz com todos:


- Tenha um bom dia!


A resposta veio seca, em com um olhar contrariado:


- Eu lhe conheço?


O senhor, com olhar demonstrando humildade, respondeu com voz monocórdica:


- Creio que não, nunca fomos apresentados, no entanto minha educação te conhece muito bem. Tenha um bom dia!


Nesta hora, todos que transitavam na Dias da Rocha pararam, a rua emudeceu, censurando com o olhar o jovem envolto na soberba, que, sem nada mais falar, mostrou contrariedade agredindo o chão em passadas largas com a sola do sapato de cromo alemão. A vermelhidão de seu rosto, por sob a barba delineada, confirmava sua reação.


O senhor continuou sua caminhada, dizendo olá aos jovens, porteiros, casais, estudantes, e a quem mais cruzasse o caminho dele. A Dias da Rocha voltou à rotina, as lojas começaram a levantar as portas. Uma nova semana se iniciava.



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