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  • José Leonídio

NAS ENTRELINHAS

Nem sempre uma melodia traz no seu contexto uma letra, nem sempre um poema se faz acompanhar de uma trilha musical. As partituras mostram-se aos músicos com símbolos e sinais que se entremeiam nas linhas da pauta ou pentagrama. Sustenidos ou bemóis distribuem-se nas entrelinhas das composições, subindo ou descendo um tom.


Na pauta da vida, também temos o meio tom acima e o meio tom abaixo. Na medida em que o tempo passa, aprendemos a ler as escalas que nos são apresentadas. Dizem quem nem sempre o que está escrito ou falado corresponde à realidade do que lemos ou ouvimos. Nossa interpretação dependerá do momento em que estivermos, pois somos suscetíveis às influências do que está no nosso entorno, no nosso compasso do dia a dia.


Uma frase dita num tom, ou num semitom, pode chegar aos nossos ouvidos de formas diferentes, podem ser carinhosas ou não. Quem não se arrepia com o som emitido pelo amolador de facas para anunciar sua presença, que muitos atribuem a mau agouro? Quanto nos incomoda o som de gatos disputando uma fêmea na madrugada? Por outro lado, o quanto nos faz bem o canto dos pássaros, o gorjeio dos sabiás acordando o sol, momento em que dedicamos bons minutos a ouvi-los?


Música e letra nem sempre se complementam. Uma melodia belíssima pode ter uma letra que não lhe corresponda, que não faça sentido, não lhe equivalha, pelo contrário. Entretanto, a melodia nos agrada tanto que, apesar de conhecermos a letra, não a analisamos dentro do seu contexto como uma mensagem, fala mais alto o bailar das notas musicais, seus sustenidos e bemóis, ignoramos por completo o poema que a acompanha.


É muito comum ouvirmos uma música com letra em outro idioma, sem saber o que significa, porém, a harmonia melodiosa é o que nos chega e nos toca profundamente. No nosso dia a dia, nos comportamos da mesma maneira, as palavras, as frases ditas num determinado momento por alguém, podem ter uma interpretação e, em outra situação, a mesma frase, as mesmas palavras pronunciadas por outra pessoa, nos chegam como música. O momento que estamos vivendo nos faz ouvir e enxergar em tons e cores correspondentes à ocasião que nos encontramos.


Nem sempre o que está escrito, o que nos é falado, deve ser interpretado ao pé da letra. As palavras contêm um significado e, quando agrupadas, podem mudar de sentido. Ler sem interpretar é o mesmo que não ler, as entrelinhas, assim como nas melodias, podem conter muito mais informações que o que meia dúzia de palavras querem dizer.


Saber ler a escala musical da vida, seus sustenidos e bemóis, é parte importante do nosso aprendizado, porque as mensagens sub-reptícias ali contidas podem não ser percebidas pelos nossos olhos, mas são entendidas pelo nosso cérebro; um dia, num determinado momento, ele a usará para nos mostrar o que nunca quisemos enxergar.


Nestes tempos, nos quais a pandemia do Coronavírus nos impõe o isolamento, temos que aprender a ler nas entrelinhas, porque muitas das verdades não nos são ditas, embora estejam imersas nos olhares, nas frases que nos chegam.


A harmonia da escala musical da vida está na razão direta de sabermos enxergá-las e interpretá-las. Na maioria das vezes não são explícitas, estão nas entrelinhas.


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