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  • José Leonídio

FOFOCAS


O Brasil é o país das diversidades. Dizem que nossa Língua Mater é o português, mas na verdade nossa comunicação oral se faz através do brasilês. Para impor uma língua não usual no coloquial diário, Dom José, sob influência do Marques de Pombal, decretou que a língua oficial da Colônia era o português, mas qual? O de Portugal falada pelos colonizadores no interior das Casas Grandes ou o da comunicação de um povo miscigenado de etnias e oralidades?


Acontece que a língua nativa estava enraizada em todos os elementos, fosse na comunicação oral, nos acidentes geográficos, nas denominações de plantas e animais, e persistem até hoje no nosso dia, afinal são mais de 10 mil vocábulos oficiais. Com a dificuldade de tornar cativos os nativos a partir do fim do século XVI começa o tráfico de africanos escravizados para a nova colônia, com etnias diferentes.


De Camarões até a África do Sul vieram os Bantos, cujas línguas mais faladas eram o kinbundo e o umbundo. Da Nigéria e do Dahomé (Benin) o grupo magô, também conhecidos por yorubás, por ser esta a sua comunicação oral. Do antigo dahomé, o povo jeje, com a língua ewe-fon, estes com importante influência francesa.


Apesar da imposição da corte portuguesa, a linguagem coloquial entre os remanescentes nativos, os infames, africanos escravizados e seus descendentes, se dava numa mistura do tupi guarani aos diversos dialetos africanos, o português falado pelos colonizadores, o romani dos ciganos e da língua árabe, dentre outros.


A entrada dos africanos escravizados possibilitou, pouco a pouco, que fossem sendo introduzidos diversos vocábulos, que passaram a fazer parte da oralidade comum às diversas etnias no dia a dia.


A introdução da palavra fofoca se deu através dos afrodescendentes da etnia banto e está associada ao disse me disse, ao mexerico, à mentira, à lorota, aos boatos. O termo foi se enraizando entre nós, principalmente na antiga Guanabara, local em que foi absorvido pelo modus vivendi do carioca, a alegria e irreverência dele.


Convivíamos, desde a chegada dos primeiros colonizadores, com o Poison d’Avril, o 1º de Abril, Dia da Mentira, originada das festas da Primavera em homenagem a deusa Ceres. O carioca incorporou a data à fofoca dos bantos. Ela agora passava a ser diária, de casa em casa, principalmente através das pretas de ganho, que vendiam de tudo para as sinhás, e levavam junto suas “fofocas”.


Mas não eram somente as negras boceteiras[1] que faziam os mexericos. As naves das igrejas forneciam assunto diário para as carolas, à semelhança da gossip dos anglo-saxônicos, as fofocas, mexericos, boatos oriundos das cerimônias cristãs, como batismos, casamentos e até de funerais, ou do fuxicar, futricar, que deriva do francês foutriquet, “indivíduo desprezível, que não merece ser levado em consideração”.


Todas estas influências foram fundindo-se e dando ao carioca o seu jeito de ser. As fofocas saíram dos portões, dos bares, das naves de igrejas. Com o tempo passaram a fazer parte da comunicação escrita, falada e chegou às mídias. Atravessou oceanos, ganhou novos atores, modernizou-se, ganhou nova designação, mais pomposa, ariana, da nobreza anglo-saxônica, fake news.


As epiqueias transformaram-se. Não se omite mais um fato a bem da verdade, cria-se um fato e o rotulamos como a verdade absoluta do dia, porém, no dia seguinte, é transformada em fofoca, futrica, boato. É hora de construir-se uma nova fake news.


A fofoca ficou tão importante que entrou nos mais seletos salões. Hoje em dia é de uso comum a religiosos e políticos. Elege até presidentes! Quem diria que uma palavra da língua bantu se tornaria tão importante assim.

Vivas à fofoca.


[1] Negras boceteiras - Correspondem hoje aos sacoleiros que vendem de tudo de casa em casa.

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