“Era uma vez, há muito e muito tempo, no tempo em que os bichos ainda falavam”. Assim começavam nossas histórias maravilhosas, que nos permitiam sonhar com mundos encantados, príncipes, princesas, reis, rainhas, fadas e bruxas.
Quem não gostava de ouvir as histórias do Sitio do Pica Pau Amarelo, e sonhava em viver lá? Qual a menina não desejou ser a Branca de Neve ou a Alice no País das Maravilhas ou, ainda, a Cinderela? Quem não queria estar junto de Robson Crusoé e Sexta Feira? Ou na Ilha do Tesouro?
Na nossa imaginação, Saci Pererê era figura constante, ou então poderosas fadas combatendo bruxas malvadas, o bem contra o mal; Aladim e sua lâmpada maravilhosa iluminaram quantas vezes nossas mentes perdidas nas Mil e Uma Noites. O Lobo Mau era odiado por todos, que torciam pela salvação da vovó e da Chapeuzinho Vermelho, bem como dos Três Porquinhos. E o Patinho Feio? João e Maria, qual de nós não quis subir no pé de feijão e chegar à casa do gigante, para pegar a galinha dos ovos de ouro?
Tudo isso fazia parte de um mundo de fantasias, porém belo, que permitia que cada criança criasse a sua tela própria com as cores que quisesse, a imagem dos seus heróis e vilões. De dia, brincávamos de pique-esconde, de cabra-cega, pulávamos amarelinha, jogávamos bola de gude, rolávamos aro e pneu e quando a noite surgia corríamos para tomar banho, para ouvir a vovó contar suas histórias que embalavam nossos sonhos e nos faziam viajar às terras encantadas do mundo da fantasia.
O tempo foi passando, escasseando o lúdico, as histórias sendo esquecidas, as crianças passaram a viver em outros tempos. A voz que embalava nossos sonhos foi sendo substituída pelas gravações monocórdicas em tom metálico das máquinas, os contos de fada, pelas façanhas dos super-heróis.
Não é mais permitido em nome do progresso imaginar as velhas histórias, os velhos heróis. Agora veem prontas e coloridas, e em HD, ponto final. A suavidade do contar das histórias foi substituído por cenas de agressividade e violência, pela guerra nas estrelas para a conquista de novas galáxias: não preciso mais de um pé de feijão para ir ao céu, entro numa nave e, em frações de segundos, me apossei do castelo.
Agora seres interplanetários digladiam-se pelo domínio de novos mundos, numa guerra de muitos decibéis. Discos voadores, daqui pra li e de cá pra lá, espadas de raios laser, no lugar de varinhas de condão. As máquinas foram dominando nossas crianças, que hoje as obedecem cegamente, lutam contra elas ansiosamente na tentativa de superá-las.
Estão presas aos games em seus smartphones, laptops, smartvs, estão hipnotizados por suas imagens e seus comandos, como que enfeitiçados pela bruxa malvada. Não mais sorriem, correm. Só sabem apertar botões, contemplar telas, descarregando suas agressividades e tentando fugir ou aniquilar monstros, dirigindo em alta velocidade, atirando em inimigos interplanetários, comandando robôs cheios de luzes em jogos sem vencedores.
Na disputa do homem e da máquina, nossas crianças se aprofundam cada vez mais, não sabem mais contemplar ou imaginar o belo, porque este agora vem pronto e embalado. Alices, Cinderelas ou Brancas de Neve agora mudaram de nome e comandam programas de televisão mostrando em vídeos clipes seus príncipes encantados importados de outros mundos, porque afinal somos pobres terráqueos.
Nossas crianças agora usam capas de super-heróis e, às vezes, até tentam voar como eles. A vovó não tem mais tempo, nem paciência para contar histórias e estamos perdendo, com a razão dos tempos, o sorriso de uma criança que dormia com o direito de construir seu filme, de acordo com sua imaginação. Como diziam os velhos contadores de histórias, com suas vozes acalentadoras, “ERA UMA VEZ”.
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