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  • José Leonídio

Dívidas

Quando pensamos em DÍVIDA o que vem logo na nossa mente é o compromisso de dever algo a alguém, estando associado habitualmente ao caráter pecuniário, ou seja, ter que cumprir com uma obrigação financeira. DÍVIDA, motivo de brigas e desavenças, de processos, de inadimplência, de ter o nome na lista de devedores nos famigerados SPC e Serasa.


Os endividados procuram suas soluções, de diversas formas, pegando empréstimos, bancários ou mesmo consignados, recorrendo a agiotas, utilizando cada vez mais seus cartões de credito e fazendo aumentar a bola de neve que se tornou o quanto está comprometido financeiramente, levando por vezes à falência pessoal.


Até aqui, o caráter financeiro dá-nos a impressão de que contrair despesas sem poder pagar é o único sinônimo da palavra DÍVIDA. Fulano está endividado, o país está na falência, a empresa está com nome sujo na praça. O capital parece ser verdadeiramente a divisória entre o bom e o mau pagador, aquele que está ENDIVIDADO.


Se pararmos para analisar, veremos que a palavra dívida vai muito mais além, o caráter monetário é somente um dos seus lados, que no meio consumista em que vivemos assume enorme importância porque simboliza status, poder de compra, superioridade numa escala social esvaziada de valores, e muitos esquecem que os que mais ostentam são os que mais DÍVIDAS têm, porque para manterem o seu padrão, se esquecem, ou desconhecem, os seus outros lados.


Não raro nos deparamos em situações difíceis, e sem saber como ou porque, alguém nos socorre, sem nada querer ou pedir, um anjo que surge no nosso caminho e que permite que possamos seguir na estrada da vida. Dizem que a esta atenção não existe dinheiro que pague, somente o dever moral de fazê-lo. Por esta atenção recebida, passamos então a ter a dívida maior de todas e que não está inscrita no SPC ou Serasa, a DÍVIDA DA GRATIDÃO.


Quantas vezes ouvimos que minha palavra basta, não precisa de papel ou contrato assinado? Assumimos um compromisso moral com outrem e mesmo sem testemunhas fazemos questão de cumprir, porque, como dizem, a palavra vale mais que qualquer milhão. É a DÍVIDA DE HONRA, a que tem como garantia a palavra, e que é paga devido à honradez de quem a deu.


Existe, porém, um lado obscuro nesta palavra, que não está associada ao caráter monetário, à honra ou gratidão. Assumimos compromissos não com outrem, mas pessoais. Quando projetamos um caminho, adotamos uma atitude que não tem a ver com ninguém, somente conosco. Talvez esta seja a dívida maior que podemos ter, porque, ao deixar de cumpri-los, passamos a nos cobrar e a achar que não temos condições de realizá-la.


Pagamos a DÍVIDA imposta com nossas atitudes, nosso comportamento. Faltar com a palavra a alguém é uma questão de honra. No entanto, quando deixamos de cumprir com o que desejamos como o melhor para nós, estamos abandonando uma DÍVIDA maior, abandonando nossos sonhos, nossas metas.


Não existe lado mais difícil de cumprir na palavra DÍVIDA do que quando não concretizarmos nossos projetos. Esta é uma DÍVIDA que não será executada judicialmente, não terá SPC ou Serasa. Simplesmente seremos inadimplentes de nós mesmos. Esta ficará pendente, porém, será sempre lembrada e um dia aí sim, será cobrada, acrescida de juros e correção monetária, só que neste momento será impagável porque o tempo passou e a oportunidade também.


A DÍVIDA que vem de dentro é a que mais nos machuca, a que nos deixa cicatrizes irremovíveis e lembranças de que um dia poderíamos ter sido felizes.





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