Deserto, a origem da palavra vem do latim “desertus” que corresponde a composição do prefixo des, oposição, separação, afastamento com serere, em fila, em ordem, alinhado. Então, a palavra deserto não significa um areal de quilômetros de distância onde você cambaleia à procura de água.
Você pode estar num deserto ao lado do Rio Amazonas e morrer de sede, não de água, mas de alguém que lhe dê o conforto de estar ao seu lado, de não lhe estender a mão. Deserto de ideias, deserto de palavras. Deserto de aconchego.
A solidão é um deserto em seus múltiplos sentidos. Vivemos nossas vidas inseridos num contexto social, onde os núcleos se formam e caminham juntos, com suas identidades e mesmo contrariedades. Exercemos o poder do convívio, seja no núcleo familiar, seja onde trabalhamos ou mesmo nos nossos grupos de diversão.
Desta forma nos agrupamos e nossos objetivos, embora muitas vezes díspares, se acomodam no poder dos diálogos.
Na medida em que o tempo vai passando nos desertificamos, vamos abrindo mão das companhias e, muito mais do que isso, emudecemos “para fora” e, principalmente, “para dentro” de nós. A vida “vivida” é feita de objetivos a serem alcançados, para hoje, amanhã, semana que vem, ano que vem e daí por diante.
Quando deixamos de ter objetivos, entramos no deserto de nós mesmos. Permitimos que as areias do tempo nos encubra, nos cale, nos impeça de ver a luz.
Nestes novos tempos, a desertificação humana parece vir num feixe de luz, inserida numa fibra ótica. Novos valores. O convívio com os filhos parece ser um fardo no dia a dia e muitos preferem o isolamento das creches, dos colégios em tempo integral, das colônias de férias ou, então, os famosos finais de semana na casa da vovó onde tudo podem.
Outra opção é aprisioná-las frente a imagens coloridas, em movimento, que vêm prontas, construídas por outrem e que, nem sempre, correspondem ao enriquecimento de valores que queremos que nossos filhos adquiram na infância. É o deserto instalado na convivência familiar.
Estamos juntos numa comemoração, num jantar, mas embora não pareça estamos num deserto, no qual o ZAP ou o FACEBOOK são suas areias, onde agonizamos por entre mensagens que em sua maioria não te0m conteúdo, ou que tentam nos impor através do consumo dos produtos da nova era.
Não importa se homens ou mulheres. No ontem, as mulheres se socializavam, se agrupavam como nas antigas cavernas, enquanto os homens como os antigos caçadores da era da pedra lascada ficavam em silêncio à espera da caça.
Os encontros sociais nos dias de hoje são um deserto, o burburinho típico destes encontros foi substituído pelo som alto das músicas, sejam eletrônicas ou não, porém nossas vozes estão emudecidas pelo olhar constante de mensagens, que nada tem a ver com aquele ambiente. Nada se fala, nada se troca. No máximo um bom dia, boa tarde ou boa noite, talvez, um parabéns.
A alegria dos encontros foi esvaziada. Tal qual uma cáfila com seus beduínos caminhamos mudos num deserto de vozes e palavras. Escasseiam os oásis, a sombra e a água fresca possibilitam o encontro entre as caravanas. Preferimos o isolamento, as frases prontas, o deserto de ideias e ideais.
Nada se assemelha mais a um deserto do que os retiros (asilos) onde nossas memórias, nossas histórias, a experiência de vida é lançada. O ser que ultrapassou décadas servindo, orientando, mostrando caminhos e atalhos, hoje está só, sob um sol escaldante, num caminho de areias que lhes queimam no “por fora” e no “por dentro”.
Emudecido, agarra-se ao cajado da vida, sabendo que nem mesmo seus cabelos amarelecidos pela lida de toda uma existência será capaz de atrair a quem possa lhe dar o que mais queria, uma palavra, para sair do deserto abrasador no qual o abandonaram. Emudeceram as vozes, emudeceram os homens, emudeceu a sociedade. À noite, o frio e a solidão do deserto é o que o lhe espera, nesta sucessão de dias até que lhe chegue o porvir.

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