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  • José Leonídio

BOLINHAS DE SABÃO

Parado no engarrafamento, avistei um pé de mamona[1] solitário, com suas folhas presas a um talo que saía do seu tronco. Imediatamente me vieram lembranças da minha juventude em Cavalcanti, quando guerreávamos usando os seus frutos e um tubo de bambu. Não precisávamos de mais nada, passávamos uma boa parte do tempo nos escondendo e tentando acertar um ao outro.

Além deste cenário havia outro, menos agressivo e de rara beleza, capaz de fascinar a todos. Seu custo, como o do relatado anteriormente, era nenhum. Um talo de folha de mamona, uma caneca, água e sabão de lavar roupa. Meninos e meninas reunidos enchiam o espaço das calçadas e das ruas com bolinhas de sabão, de todos os tamanhos e que, atingidas pelos raios de sol, ficavam irizadas, dando um colorido todo especial ao fim da tarde e enchendo de alegria o ambiente com os pequeninos que começavam a andar, correndo desengonçados para pegá-las.


Creio que ali não precisávamos de muito para sermos crianças e felizes. Bolinhas de sabão, bailando no ar, bolinhas de ilusão, multicoloridas, de vida curta, e fizeram parte da construção de quem somos hoje. Dizem que as águas que passam debaixo do moinho não voltam mais, tenho minhas dúvidas, porque irão evaporar e depois retornar sob a forma de chuva e poderão passar novamente no mesmo lugar.


Ah, as bolinhas de sabão: algumas conseguiam ser carregadas pela brisa da tarde para bem longe, sempre cheias de cores, um arco-íris contido dentro delas. Se olharmos para nós, somos muito parecidos, uma vez que na infância enchemos de brilho e alegria nossas casas. Todos riam, se divertiam com nossas tiradas inocentes, sem nenhuma elaboração, éramos o que éramos, crianças cheias de cores de energia.


Na medida em que o tempo passa, copiamos as bolinhas de sabão que a brisa carrega num raio de sol, alçamos nossos voos, passamos a pensar antes de falar, perdemos um pouco da inocência de tempos atrás e nos transformamos no que somos hoje. As experiências vividas vão se avolumando e são a base de nossas atitudes, respostas aos questionamentos, tudo baseado no que aprendemos no ontem.


Quando nascemos só temos a referência de nossa mãe, depois, da família e do nosso entorno; na adolescência, passamos a reconhecer o mundo que existe fora de nosso núcleo familiar, e, por fim, todas estas experiências, decodificadas em nossas lembranças, nos dão as características que carregamos como adultos. Nossas bolinhas de sabão mergulharam no vazio do tempo e tomaram direções e sentidos diferentes.


A beleza do fim das tardes, coloridos pelos irizados de nossas brincadeiras, ficarão registrados para sempre em nossas memórias. São elas que nos alimentam nestes tempos difíceis em que temos de escolher entre a casa e a calçada, não temos mais os canudos de mamona, não temos mais as canequinhas com água de sabão. Só temos mesmo a lembrança de tempos idos. As bolinhas de sabão continuam vivas nos nossos olhos. Também é necessário resgatar nosso espírito de criança e tornar os dias atuais mais suaves.




[1] Mamona – Ricinuus communis L.


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