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A sociedade sou eu

José Leonídio

Os homens. Por que os desejo, uso, desprezo e descarto? Sou o que sou, livre num mundo de ironias, do ser, não ser. Do dia em que me acorda, da tarde na qual me encanta, da noite em que não me emudece. Sou resistente a todos os padrões. Protocolo é a primeira página do livro da vida, não me contento com o resumo, quero lê-lo da primeira à última página.


Em cada parágrafo, uma meia resposta e novas interrogações. Mergulho no seu universo procurando explicações, no entanto, não as encontro. Os cenários se misturam, os atores não seguem seus roteiros, os antônimos perseguem os sinônimos, inexiste o coletivo, o individual predomina. Caminho por cima de frases entremeadas de sons, por entre a agonia presente na efervescência do atropelo das calçadas.


Atravesso olhares pedintes, desnudadores, insistentes, lacrimejantes, alegres, tristes. Sou só, desejo ser só, quero ser só. Minha liberdade, minha maior conquista. Não tem porque. Inexiste algo que me faça abandoná-la. A sociedade sou eu, no meu próprio mundo, finito entre portas e janelas, onde tudo quero, tudo posso. Do lado de fora, a hipocrisia dos meios sorrisos, das palavras vãs, das promessas sem terço, nem velas acesas.


Meus companheiros eternos, o piano Steinway e um Cabernet Sauvignom de boa safra e procedência, completam-me, não me abandonam, trazendo sempre uma personagem ilustre para minhas noites - Chopin, Franz Liszt, Tchaikovsk. O vinho aquece-me, liberta minhas mãos, meus dedos passeiam no teclado, onde me perco entre notas musicais, danço minhas fantasias.


Não apego-me a conceitos, desprezo os preconceitos, voo por entre as frestas dos meus delírios, do cio da natureza, da fêmea sedenta. Os homens? Não os amo, desejo-os como a uma fruta que me atrai e desperta a vontade de tê-la, descascá-la, saboreá-la. A mim não importa o amanhã, o importante são os minutos bem vividos.


Das teclas do Steinway, Noturno de Chopin. Taças de vinho se entrelaçam. Não me interessa seus senões, quem é ou a quem pertence, consumo-o a cada acorde. Amo como uma perdida, me encontro no meu prazer. Não tenho limites para os seus limites. Arfo, sibilo, libero todos os solfejos que uma amante pode emitir, domino-o, bailo por sobre meu efêmero príncipe, sou Gisele, no meu balé preferido, no último ato, conduzindo-o para o silêncio sepulcral.


Emudeceram o piano e a noite, as taças esvaziaram, fecharam-se as cortinas do prazer. O ator inerte não mais representará neste palco, porque o uso, desprezo e descarto. Sou o espelho da sociedade, a solidão é meu conforto, nela estão gravadas minhas insígnias, da liberdade de tudo e de todos. Pertenço a mim mesmo.




 
 
 

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