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Pílulas Literárias Estendidas #01 - Madrugada

  • Foto do escritor: José Leonídio
    José Leonídio
  • 19 de set. de 2022
  • 2 min de leitura

Quatro horas, madrugada. O canto do Sabiá Laranjeira me acorda. Me levanto todos estão dormindo. Vou para a varanda. Do alto dos setes andares observo as ruas vazias. Ouço o silêncio da noite desabitada que só é interrompido pelo gorjeio do sabiá.


No céu, as estrelas saltam desajeitadas sobre os carneiros. No horizonte, nenhum lampejo de luz anuncia o raiar do dia. Uma lua tímida procura se esconder atrás das montanhas. Uma pergunta me vem à mente:


─ Por que o Sabiá teima em despertar a manhã? Em querer acordar o sol tão cedo?


O meu sono se perdeu no vazio da noite, procuro respostas, não encontro. No delírio do eu sozinho, o Sabiá pousa no parapeito da varanda, seus olhos fitam-me, como quisesse dizer:


─ Vim fazer-te companhia, estás só. ─ parece que me acordou para que lhe fizesse companhia na noite fria.


Olha para o horizonte, nada vê. Volta a cantar, procurando entre as folhagens das árvores, timidamente iluminadas, a razão de seu canto. Tudo em vão, volta a me olhar, como se me interrogasse:


─ Por que estou só? Onde está a razão do meu canto?


Parece que me acordou porque precisava de companhia na solidão fria da noite.

Volta a seu gorjeio. ─ Existe uma certa melancolia no seu chilreio.


Seus olhos continuam percorrendo um não sei o que na escuridão da noite.


De repente emudece, volta a fixar seus olhos nos meus. Sinto que quer agradecer pela companhia.


Bocejo, um arrepio de frio percorre meu corpo. Como surgiu o Sabiá desaparece, não consigo mais vê-lo, mas continua presente com seu canto. Procuro-o nos galhos das amendoeiras, porém, só ouço seu trinar.


Permaneço algum tempo na varanda, tento encontrar uma resposta do porquê canta na madrugada─, afinal é ele quem acorda o sol para se aquecer da friagem da noite.


Os olhos começam a pesar, volto a bocejar, lágrimas de sono surgem. Pouco a pouco, seu gorjeio fica mais longínquo, até não mais escuto. Fecho a janela.


Retorno ao meu quarto. Deito e não mais o ouço. Puxo o cobertor, adormeço. No meu sonho vejo-o no seu ninho, solitário, chamando com seu canto sua fêmea para aquecê-lo na madrugada fria.

 
 
 

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