A manhã faz-se presente, acordo com vontade de não acordar. O aroma do café insiste em que vá ao seu encontro. Espreguiço, bocejo, teimo em abrir os olhos, tenho que levantar, entretanto meu corpo diz, não! Pede fervorosamente que o deixe descansar.
Retratos observam-me com ar de reprovação. Decido render-me aos compromissos assumidos. Pelo menos três gerações emolduradas, presas às paredes, acompanham cada passo que dou. Faço o dejejum, fumo meu primeiro cigarro do dia, leio apressadamente as notícias do jornal deixado de madrugada na soleira da porta.
Percebo que continuo a ser seguido, como se meus antepassados cobrassem uma atitude condizente com a tradição da família. Afinal, todos ali expostos construíram suas histórias e deixaram gravadas na memória do tempo, esperando que as novas gerações deem continuidade às tradições da sua linhagem.
Em cima do criado mudo lembranças da minha infância, uma foto amarelecida pelo passar dos anos, onde estão gravadas as sete carinhas de quando ainda bebê. O tempo passa na velocidade do olhar, quando damos conta nos aproximamos dos que estão presos, às paredes da casa que nos viu crescer.
Penso no intervalo de tempo daquela manhã, como somos iguais, apesar de termos nascido em épocas diferentes.
Metas e objetivos traçados, as dificuldades para alcançá-los e, por fim, o legado aos descendentes com a esperança da continuidade. A modernidade nem sempre assim o permite. Os exemplos de ontem não são mais modelos às novas gerações.
Talvez por isso, nesta manhã, os olhos me sigam, me interroguem, o porquê não trilhar o caminho traçado por eles. Creio que é hora de mudar o roteiro, de encontrar novos horizontes, de esculpir novas talhas, fotografar novos ambientes, mostrar que podemos vencer independente dos antigos alicerces.
Tenho que seguir em frente, não me render a olhares de reprovação às minhas decisões. Acordar para viver novos desafios, não importa se é um novo atalho, o que importa é o que queremos conquistar. O cigarro termina, tomo um novo café para acabar de acordar, Olho para os olhos que me seguem, peço-lhes sua bênção, para uma nova empreitada.
Atravesso a soleira da porta com a certeza de que este é o primeiro passo para conquistar meu sonho, afinal este é o meu dia, aquele em que estou desfazendo os nós que nos prendem ao passado, e talvez, um dia, os que virão depois poderão dizer, - naquele dia ele quebrou os elos de uma corrente deixando-nos livres para sermos o que somos hoje.
Meu olhar neste dia terá um brilho que quer dizer, naquele dia eu venci.
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