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José Leonídio

O espinho e o acúleo

Mexendo nas minhas plantas, de repente me arranhei com o espinho da bougainvillea. Continuei junto à elas quando novamente me arranhei com o espinho da roseira. Esses dois pequenos acidentes me transportaram por um instante a 1966, mais especificamente ao Colégio Dois de Dezembro, 1º Ano Científico, como era chamado na época, aula de botânica, professor Xavier.


Acho que os dois arranhões fizeram com que eu dissipasse um chip de memórias remotas e por segundos o vi falando da diferença entre o espinho da bougainvillea, da laranjeira, da roseira, e outras. A primeira coisa que disse era que a roseira não tem espinhos, tem acúleos, ou seja, são formados pela camada de fora, pela epiderme, pela casca; e o espinho era um galho, uma folha diferenciada que vinha de dentro do tronco.


A primeira, apesar de arranhar e ferir, é bem superficial, cicatriza rapidamente e é facilmente destacável, o espinho, não. Por ser muito mais firme causava lesões superiormente agressivas. Lembro-me do professor dizendo que algumas tribos indígenas os usavam em suas zarabatanas para caçar, graças ao poder de penetração.


Enquanto lavava os machucados comecei a divagar sobre como as pessoas se assemelham aos espinhos e aos acúleos: algumas usam seus acúleos como defesa, nos arranham, mas não nos ferem e, em pouco tempo, os arranhões estão cicatrizados. Muitas vezes, conseguimos até admirar a beleza de suas flores (seus gestos, atitudes etc.).


Outras não. São espinhos que nos ferem, nos machucam, nos fazem sentir dor durante um longo tempo e não conseguimos mais esquecê-los porque deixam cicatrizes que, a cada mudança de tempo, fazem questão de reforçar que estão ali. O espinho nos ensina a não mais passar por ali porque poderá ferir novamente.


Por mais bela que seja a bougainvillea, que não por acaso recebe popularmente o nome de “arranha gato,” esta faz com que olhemos suas flores de todos os matizes, porém, evitamos colhê-las porque as lembranças do ferimento causado pelos espinhos nos impedem. Por mais doce que seja a laranja, por melhor que seja o limão, não nos atrevemos a colhê-los, alguém o faz por nós.


Já as roseiras, apesar de nos arranhar às vezes, nos permitem colher suas flores, e até tirar os acúleos de seu caule e ofertarmos como prova de amor. Não sei por que, mas 40 anos depois o mestre Xavier continua me ensinando, permitindo que eu diferencie quem são os espinhos e quem são os acúleos que estão à minha volta.


Perdoem-me pela divagação e tenham dias sem espinhos. Ah, se tiverem arranhões que sejam os das rosas, porque, apesar de ferir, sua beleza e seu perfume o farão esquecer.





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