Quando eu era guri e morava em Cavalcanti, ali do lado no Engenho da Rainha, tinha para mais de 50 campos de futebol. Chutávamos em gol em um campo e nosso pé acertava a baliza do outro campo, ao lado. Eram centenas, milhares jogando de manhã até a noite. Ali mesmo em Cavalcani, em frente ao Centro Esportivo de Amadores, na Rua Silva Vale, tinha um pequeno campo, Mangueirinha, onde jogava-se do amanhecer ao entardecer.
Os cidadãos mais representativos da sociedade do bairro diziam ser um bando de vagabundos que não tinham o que fazer. Lêdo engano, dali saíram verdadeiros artistas na prática do futebol, assim como em muitas várzeas do Brasil inteiro.
Fomos campões mundiais e dominamos esta modalidade por décadas com a maestria dos meninos "vagabundos". Chegamos ao pentacampeonato, o tempo passou, a especulação imobiliária acimentou, nossos campos de futebol sumiram, as torcidas, a alegria da cerveja depois da pelada, as taças de latão nos campeonatos de várzea.
Hoje, se quisermos achar um campo, ou mesmo um campinho, tem que garimpar muito e, assim mesmo, por tempo limitado, até que uma construtora tire as balizas, cerque o terreno em nome da modernidade. Nossos pequenos vagabundos foram expulsos Brasil afora, e deram com seus costados lá onde seus ancestrais eram mestres, no mar.
Começou a surgir uma geração de vagabundos do mar, passam o dia inteiro em suas pranchas, no futevôlei, no vôlei de praia ou no futebol de areia. Não têm o que fazer! De repente descobriram que somos os melhores do futebol de areia, do vôlei de praia, e agora do surf,
Campeão mundial, campeões mundiais saídos dos mares brasileiros para brilhar no Havaí. Saí do futebol e nadei para a praia, cheguei ao surf. Qual a semelhança? Seria um bando de vagabundos que nada mais sabem fazer do que jogar futebol e pegar ondas? Os primeiros lhes tiraram o chão, prenderam suas chuteiras no concreto dos seus edifícios. Os do surf, parecem, terão melhor sorte, porque até agora ninguém especulou em construir seus edifícios ou similares dentro das águas do mar calando as ondas.
Acho que nossos novos representantes da dita vagabundagem estarão protegidos e continuarão a evoluir nas areias das praias e nos mares, dominando as ondas, como assim já o faziam nossos destemidos Tupinambás. Melhor sorte aos surfistas, ao pessoal do vôlei de praia, do futebol de areia, antes que os especuladores tentem dominar e concretar suas praias.
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